quarta-feira, 23 de março de 2011

Depois do timesharing... a burla dos colchões

Antigamente era a técnica de venda de timeshare. Telefonavam para casa das pessoas a dizer que tinham ganho um prémio X, e a combinar para ir levantar em tal sítio às tantas horas. As pessoas apareciam para levantar o suposto prémio, e eram sujeitas a uma sessão de marketing (tipo lavagem ao cérebro) para comprarem um produto de timeshare. Cada potencial vítima ficava numa mesa com um vendedor, que se encarregava de persuadir a vítima a comprar um timeshare. Em volta, supostamente fechavam-se negócios, celebrados com abertura de garrafas de champagne. Tudo para persuadir as restantes vítimas de que muitas pessoas estavam a aderir ao negócio. Para mim, essas supostas vendas não eram mais que meras encenações para convencer as vítimas a fazer parte da "festa".

O timeshare já teve os seus dias. Actualmente as pessoas já estão informadas, e existe legislação, de modo a impossibilitar as burlas que geravam tanto lucro a quem as cometia da forma descrita. A burla não está no negócio (timeshare), mas sim na forma como o mesmo era promovido. As pessoas não estavam informadas sobre o produto, e assinavam contratos sem saberem o que estavam a contratar. Ou seja, eram burladas. Também eram burladas com as promessas de um prémio que supostamente iam receber, quando tal era apenas um chamariz para a sessão de venda (lavagem ao cérebro).

Agora são colchões. Para além do produto, que passou de timeshare a colchões, a burla mudou muito pouco. Agora deixou de haver um prémio. Agora existe uma suposta campanha de rastreio de saúde. Mas a ideia é a mesma:
Um falso motivo para chamar as pessoas, e uma venda do tipo "lavagem cerebral".

Nos últimos tempos já recebi telefonemas para falsos:

  • Rastreios auditivos
  • Rastreios de tensão arterial
  • Rastreios de AVC


Hoje (23 de Março de 2011) ligaram-me para um rastreio de prevenção do AVC.
O número de telefone originário da chamada era o 212413238.
Também houve quem tivesse recebido uma chamada semelhante do 212413222.
Identificaram-se como sendo uma suposta "Unidade de Prevenção de Doenças Cardiovasculares".
Decorria uma campanha de prevenção/rastreio de AVC.
Perguntaram se estava informado, se tinha visto na TV. Parece ser prática corrente, neste tipo de burla. Já fizeram o mesmo tipo de questão (de falsa retórica) nos outros telefonemas para os outros falsos rastreios. Parece que dá uma maior noção de credibilidade ao telefonema, e por isso será uma técnica bastante usada.
Depois dizem que o rastreio é totalmente gratuito, e que até podemos levar os resultados ao médico de família (deve ser lá para 2027, quando as políticas danosas de Sócrates - que têm vindo a deixar cada vez mais pessoas sem médico de família - conseguirem ser invertidas).
Dizem muitas coisas sobre este tipo de doenças, mas mais do que dizem, perguntam. E perguntam demais. Se é legítimo perguntar se há na família pessoas que tenham sofrido um AVC, e a idade, e até a profissão (stressante, sedentária, etc.), já não é normal perguntar o nome da esposa, nem a que horas costuma chegar a casa.

Quando questionada sobre qual a entidade que está a promover o tal rastreio/campanha, a resposta resume-se a uma "Unidade de Prevenção de Doenças Cardiovasculares" ("unidade" de que entidade?). E também sem resposta para se tem site na Internet. Ou seja, era uma campanha tão importante para ter tempo de antena na TV, mas na Internet já ninguém sabe...

De tal modo foi a minha insistência, que me forneceram um contacto:
"Drª" Helena Reis
212413154

Primeiro fui fazer o "trabalho de casa".
Liguei-me à Internet, e procurei pelo suposto rastreio. Nada!

Liguei para o número que me foi fornecido.
Questionei qual a entidade que estava a patrocinar o dito rastreio. E tive de fazer várias insistências.
As respostas, invariavelmente, falavam da suposta "Unidade de Prevenção de Doenças Cardiovasculares", e alternativamente à suposta "Unidade" havia a resposta de "Seja Mais Rápido que um AVC". Como se o nome de uma campanha fosse o nome de uma entidade... E ainda teve a ousadia de me mandar procurar na Internet. O que ela não estava à espera era da resposta: «Já procurei, e não encontrei nada.»
Perguntada se essa suposta entidade seria do Estado, ou privada, riu-se e disse que o Estado não faz nada, que o suposto rastreio é em regime de voluntariado. Mas, quando questionada, não soube dizer qual a entidade de suporte a esse voluntariado.

É necessário estar alerta para este tipo de burlas, ou seja, declarações de falsos objectivos nos contactos telefónicos de telemarketing. As pessoas são aliciadas a participar em algo com um objectivo distinto daquele que se vem a verificar. Ou seja, é omitida a componente comercial da participação que é solicitada à pessoa. Isto viola o dever de informação a que a entidade promotora deste tipo de eventos está obrigada.

Felizmente há exemplos de casos onde esse carácter comercial não é omitido. Recordo-me de um promotor de viagens que coloca expressamente no programa divulgado nos folhetos a sessão comercial. Isto é de louvar. Deste modo cada um sabe para o que vai (ainda que não saiba o tipo de produtos que vão tentar impingir).

Já esta situação de pseudo rastreios de saúde, não só omitem a realidade que se esconde por detrás destas acções, como até podem ser perigosas para a saúde pública. Afinal, quem me garante, mesmo que realizem testes de saúde competentes, e por profissionais competentes, que o diagnóstico é correcto? Quem assume a responsabilidade de um diagnóstico incorrecto? Se eu for a uma clínica, hospital, centro de saúde, sejam eles públicos ou privados, a responsabilidade de um eventual erro, pode ser imputada, e existem mecanismos para ressarcir os lesados. E estes pseudo técnicos de saúde? Têm seguros que possam cobrir negligência médica?

Penso que seja um caso para:
ASAE - http://www.asae.pt/ (pelas práticas comerciais e de saúde)
Portal do Consumidor - http://www.consumidor.pt/ (por eventuais violações nos contratos)
CNPD - http://www.cnpd.pt/ (por todos aqueles dados recolhidos - terão autorização para a base de dados?)